Três meses e uma semana. Cem dias. Duas mil e quatrocentas horas. Cento e quarenta e quatro mil minutos. Cada manhã é mais dolorosa, cada momento é mais insuportável, a revolta a crescer a cada instante na exata medida em que a matança se vulgariza, que, na perversa produção de “notícias”, a chacina abandona as primeiras páginas e a
abertura dos noticiários e os discursos normalizadores procuram silenciar as vozes dissonantes.
Mais de 23 mil mortos e 58 mil feridos. Mais de 2 milhões de desalojados. A violência mais desabrida, cruel e inclemente, numa alucinada exibição de prepotência que não conhece limites, ameaça lançar o Médio Oriente num abismo de guerra, destruição e horror. São, claro, os bombardeamentos, maciços e indiscriminados, os ataques a hospitais e centros de saúde, aagências das Nações Unidas e organizações humanitárias, a destruição decasas, bairros inteiros, escolas, mesquitas e igrejas, património cultural. O uso
de armas proibidas, fósforo branco e munições de grande efeito destrutivo cujouso em zonas residenciais é proibido pelas convenções internacionais. O assassinato de médicos e de outros profissionais de saúde, de funcionários dasNações Unidas, de jornalistas. A privação de alimentos, de água e demedicamentos, com o alastramento consequente da fome e das doenças. Tudo isso e o mais que sabemos, mas que a comunicação social dominante silencia:as execuções sumárias e os massacres, a pilhagem dos bens nas casas
abandonadas pelas famílias palestinas, as prisões em massa, as sevícias e as humilhações, a tortura e os constantes maus tratos dentro dos cárceres israelitas, a destruição das infraestruturas nos campos de refugiados e nasvilas e cidades da Margem Ocidental. Israel também semeia o desemprego e apobreza entre os trabalhadores palestinos. São já quase 400 mil os empregos destruídos desde o intensificar da violência. Número que aumenta a cada dia
que passa.
Tudo, tudo isso e mais a verborreia genocida em Israel a apelar à aniquilação do povo palestino e sua expulsão da sua terra, como está a ser denunciadoperante o Tribunal Internacional de Justiça de Haia, por iniciativa meritória da África do Sul, hoje liberta do Apartheid.
Sabemos que nada disto é novo. Há quem queira apagar a longa história deocupação, colonização e expulsão dos palestinos promovida pelo sionismo ecomeçar a contagem do tempo apenas a partir de Outubro. Mas a agressãotem hoje uma escala e uma dimensão que o povo palestino só conheceu nos anos da Nakba. E, porém os Estados Unidos da América e os seus aliados,
nomeadamente na União Europeia, negam, silenciam, justificam, ou apoiam acarnificina. Todos eles são responsáveis, contrariando o clamor dos povos domundo, bem expresso nas votações na Assembleia Geral da ONU. Todos osgovernos que apoiam materialmente, que financiam, que deram ou venham a
dar apoio militar e logístico à agressão de Israel ao povo palestino sãoigualmente cúmplices do que configura ser um crime de genocídio e devem porisso ser responsabilizados.
As notícias dos últimos dias, nomeadamente os bombardeamentos dos Estados Unidos da América e do Reino Unido contra o já tão martirizado Iémen, confirmam que cada dia que passa torna mais ameaçador o perigo de umaguerra generalizada no Médio Oriente, com consequências catastróficas paraos seus povos e repercussões no mundo inteiro. E que ninguém se iluda: na Palestina há um povo a lutar pela sua sobrevivência, a suportar uma agressãocom uma brutal violência, com um imenso saldo de vítimas no banquete de morte com que Biden e Netanyahu e os seus cúmplices se comprazem.
Com 58 votos a favor e 50 contra, o parlamento israelita aprovou no passado dia 17 de novembro um projeto de lei com o fito de “regularizar” retroativamente os colonatos israelitas ilegalmente construídos na margem ocidental do rio Jordão, em território palestino ocupado. O projeto terá ainda de passar por mais votações antes de se tornar lei.
Com esta iniciativa o parlamento israelita procura fabricar uma pretensa legalidade para cobrir a contumaz usurpação de territórios palestinos por parte de colonos israelitas, processo que tem contado com a tolerância, quando não apoio oficial e instigação, do próprio estado israelita.
Tal ocupação é ilegal à luz do direito internacional; e até mesmo da lei israelita – embora, neste caso, em termos meramente formais como tem sido notório.