A CONSTITUICAO DE ABRIL E A PAZ 01

 

 

Boa tarde a todos, em nome do CPPC quero agradecer-vos a vossa presença neste debate.
Enquadramento político das questões da paz antes da CRP de 1976
Antes de avançar para as grandes transformações introduzidas nas relações internacionais com a Revolução iniciada a 25 de Abril de 1974, importa referir que o Estado Português vivia, no fascismo, numa situação que podemos categorizar como de isolamento internacional, no quadro da evolução da situação internacional após a II Guerra Mundial, com um numeroso e influente grupo de países socialistas e progressistas, o avanço dos processos de libertação nacional e a crição do «movimento dos não alinhados». Recordemos a tão “querida” expressão do regime, “orgulhosamente sós”, que, afinal, escondia as suas ligações ao nazi-fascismo e, depois do fim da II Guerra Mundial, aos EUA e à NATO, entre outros países que tinham interesses económicos em Portugal e apoiavam a guerra colonial do regime fascista.
 


Colonialismo e Guerra Colonial
É facto que o regime convivia em claro desrespeito dos princípios de Direito Internacional Público, nomeadamente o princípio de autodeterminação dos povos e o seu direito à emancipação.Entre 1960 e 1974, a ONU aprovou diversas resoluções, tanto na Assembleia Geral como no Conselho de Segurança, afirmando, de acordo com a sua Carta, que a manutenção destes territórios coloniais consistia num atentado à paz e que Portugal deveria identificar os territórios colonizados para que os seus povos viessem a ser conduzidos à autodeterminação. Foram também aprovadas resoluções a condenar violações dos direitos humanos nos territórios colonizados.A reacção do regime fascista foi de persistente recusa destas resoluções, desrespeitando o seu cumprimento, vincando sempre a ideia que de acordo com Constituição de 1933 os territórios em causa não se tratavam de colónias, mas sim de províncias ultramarinas. Portugal chegou mesmo a responder perante a ONU que quando foi admitido na ONU em 1955 tal condição não lhe foi exigida, não havendo razão para agora o ser.O regime organizou algumas manifestações em repúdio das declarações ONU, com o lema “Portugal Uno e Indivisível”.Um exemplo muito esclarecedor da postura do regime fascista português nesta matéria ocorreu em 18.12.1961, quando 50 mil soldados da União Indiana ocuparam Goa, Damão e Díu. Momento em que Salazar, Presidente de Conselho de Ministros, deu ordem para que os 3500 soldados portugueses que lá se encontravam defendessem o território por pelo menos 8 dias, e que para tanto fossem feitos todos os sacrifícios. A verdade é que a morte destes soldados não aconteceu, porque o Governador Vassalo e Silva decidiu desobedecer a essa ordem. A ONU veio a reconhecer à Índia soberania e legitimidade sobre aqueles territórios, bem como desta acção militar. No entanto, no plano político, só com o 25 de Abril veio Portugal a reconhecer validade a estas questões, e a soberania destes territórios à Índia.Não obstante esta postura do regime fascista português, a organização dos movimentos de libertação dos diferentes territórios colonizados era cada vez mais estruturada e reforçada, conseguindo conquistas no plano internacional e regional, nomeadamente por via de relações bilaterais e com desenvolvimento de acção junto da Organização da Unidade Africana, e mais tarde junto das Nações Unidas.No plano colonial, o regime português veio ainda a revelar o seu carácter militarista de forma mais aberta. Como resposta à luta dos povos africanos pela sua auto-determinação a partir dos anos 60, Portugal dá início a um conflito armado em que os militares portugueses e, numa segunda fase, a juventude portuguesa, são enviados para lutar pela manutenção da ocupação colonial.A par dos atropelos ao direito dos povos africanos à independência e à condução por si mesmos dos seus destinos, à libertação da exploração colonial, este é um conflito que deixa marcas em quem nele participa, tanto pelos métodos a que recorriam as forças portuguesas, como pela injustiça inerente aos seus propósitos. Com a condenação crescente da comunidade internacional e do povo português, a guerra colonial foi o espelho do carácter militarista e contrário ao espírito de paz e cooperação entre os povos, aspiração do povo português.
 
Portugal, país fundador da NATO (4 de Abril de 1949)
A NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte) foi fundada por 12 Estados (EUA, Canadá, Reino Unido, França, Itália, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Dinamarca, Islândia e Portugal).A participação de Portugal na criação deste bloco político militar, cujos objectivos claros eram o combate aos países socialistas e a defesa dos interesses imperialistas, tinha como especial intuito a manutenção do seu regime político ditatorial.
Importantes Avanços no plano das relações internacionais com a aprovação da CRP 1976
Com este pequeno enquadramento, é-nos possível compreender os importantes avanços que representaram o fim da guerra colonial, a descolonização e uma política de paz e cooperação no plano das relações internacionais e da política externa, realizadas na Revolução portuguesa, avanços e realizações consagradas na Constituição de 1976.Foi em 2 de Abril de 1976 que a Assembleia Constituinte aprovou Constituição da República Portuguesa.É importante referir que o texto consagrado na lei fundamental do país resultou do processo revolucionário iniciado em 25 de Abril de 1974, e que, durante os dois anos que precederam à aprovação daquele texto, introduziu determinantes e estruturais mudanças no plano social, económico e cultural do povo português. Na realidade, o conteúdo político vertido na Constituição da República Portuguesa decorre de uma convergência de princípios e valores que o povo português há muito sentia como seus, e que, naquele período de ruptura com o regime fascista, conseguiu acalentar, consagrando-os na Constituição de Abril, acalentando as suas esperanças de um futuro mais digno para o país.Esta questão encontra-se bem caracterizada no Preâmbulo da Constituição da República Portuguesa onde se refere, e passo a citar que no «25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista». Refere-se ainda no mesmo preâmbulo que a libertação de «Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa» e «restituiu aos Portugueses os direitos e liberdades fundamentais». Fim de citação.Em reflexo desta vontade transformadora, a importância da luta pela paz não foi esquecida, e muito pelo contrário veio a ser evidenciada a sua necessidade, com o que ficou consagrado no seu artigo 7.º. Este artigo consagra que, nas suas relações internacionais, Portugal se rege pelos princípios da «independência nacional, do respeito dos direitos do homem, dos direitos dos povos, da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos internacionais, da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados e da cooperação com todos os outros povos para a emancipação e o progresso da humanidade».O mesmo artigo determina que Portugal deve preconizar a «abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos, bem como o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos», eReconhece o «direito dos povos à autodeterminação e independência e ao desenvolvimento» e o «direito à insurreição contra todas as formas de opressão».Todos estes princípios consagrados no artigo 7.º da Constituição constituem princípios fundamentais (Título I) que são a base da organização da sociedade portuguesa.A Constituição de Abril confere desta forma grande importância, no plano das questões internacionais, à paz, à amizade e à cooperação entre os povos, ao fim do colonialismo e do militarismo, contra o imperialismo. Confirmando que só assim podem ser criadas, no mundo, as condições para o progresso social e económico dos povos.Maria Lamas reflecte bem este entendimento quando escreveu que “o Movimento Mundial da Paz, em Portugal, surgiu e desenvolveu-se como uma aspiração e uma força colectivas do povo português, unindo na mesma luta contra as várias formas de guerra todos os portugueses, conscientes da sua responsabilidade perante o futuro do seu País e do Mundo”2O 25 de Abril veio, pode afirmar-se, introduzir a normalização das relações internacionais com todos os povos do mundo.
 
Independência dos Países Colonizados
O 25 de Abril pôs fim à guerra colonial, e contribuiu para a independência e autodeterminação dos povos africanos que se encontravam sob o jugo colonial do regime fascista. Nos anos de 1974 e 1975 Portugal reconheceu a independência destes povos, conferindo-lhes a oportunidade da condução dos seus rumos.
 
Conferência de Helsínquia
Um excelente exemplo de normalização das relações internacionais portuguesas é a participação de Portugal na Conferência sobre a Segurança e Cooperação na Europa, também conhecida como Conferência de Helsínquia. O Acto Final desta Conferência foi assinado por 33 países.E nela ficaram consagradas diversas temáticas, entre as quais se salienta os princípios estabelecidos no ponto primeiro, como a abstenção do recurso à força e à ameaça; inviolabilidade de fronteiras; solução política dos litígios e não intervenção nos assuntos internos; respeito dos direitos humanos; igualdade de direitos e autodeterminação dos povos; cooperação entre os estados. Definiu-se ainda, entre outros, a dissolução simultânea do Pacto do Atlântico Norte e do Pacto de Varsóvia, o fim da corrida ao armamento, o desarmamento nuclear e cooperação no plano humanitário.Dá-se especial destaque ao discurso do Presidente da República, o General Costa Gomes proferido em 1.08.1975 em Helsínquia, uma vez que simboliza uma nova linha de actuação da política internacional do país, no sentido da verdadeira defesa da paz.
Desrespeito dos Valores da Paz na Constituição de Abril – Alguns exemplos
 
 
NATO
Pese embora tudo o que se disse, cada vez mais a política externa portuguesa se encontra num plano de vassalagem à NATO, havendo infelizmente cada vez mais exemplos de violação dos valores da Constituição democrática de Abril.Assim, as Forças Armadas Portuguesas e Portugal tem sido usados para a condução de uma política essencialmente militarista, e pela qual se sucedem diversas guerras levadas a cabo, na cinicamente alegada defesa dos direitos humanos, entre outros pretextos. Não obstante, em todo o mundo têm persistido as vozes que denunciam as verdadeiras intenções destas guerras, que são o controlo de recursos naturais dos países invadidos e de regiões de posição geoestratégica vantajosa. Para tentarem legitimar estas acções constroem mediaticamente inimigos e ameaças, que por via do apuramento isento e imparcial dos factos, se percebe facilmente destes embustes.Esta submissão de Portugal às ordens da NATO constitui uma verdadeira violação da Constituição da República Portuguesa e põe em causa a soberania na actuação portuguesa das relações internacionais.Veja-se que o artigo 7.º, n.º 2 da CRP proclama a dissolução dos blocos político militares e o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva, o que significa que a nossa CRP determina expressamente como objectivo constitucional o fim da NATO e não o seu reforço.
 
Jugoslávia
Assim, como exemplos de actuações a descoberto da nossa CRP, temos a agressão à Jugoslávia em 1999, que foi a primeira guerra aberta na Europa desde a 2ª Guerra Mundial, constitui um primeiro momento em que o Estado Português assume uma postura de alinhamento ao seguidismo dos governos da UE à estratégia hegemónica dos EUA, alinhando ao lado dos que empreenderam a guerra no quadro da participação na NATO. É de notar, ainda, que esta intervenção da NATO surge ao arrepio do próprio Tratado do Atlântico, já que envolvia a organização num conflito exterior aos seus países membro. Levando a que a NATO decidisse rever o seu Conceito Estratégico.
 
Afeganistão
A agressão ao Afeganistão, em 2001, no quadro da “Guerra ao Terrorismo”, assume características idênticas. O Estado Português volta a envolver-se num conflito em que é confirmada a nova doutrina militar da NATO, colocando como objectivo a agressão sobre Estados Soberanos.
 
Iraque
A este seguiu-se, em 2003, a guerra e posterior ocupação do Iraque. Em ambos os casos é notório que, para além da violação dos princípios do Direito Internacional Público, uma vez mais, à semelhança da Jugoslávia e do Afeganistão, se praticaram violações dos direitos humanos por parte das forças da NATO. É também de salientar a instrumentalização da ONU de forma a legitimar os ataques à posteriori, já que ambos foram feitos sem que fossem sancionados pela organização.
 
Líbia
Em 19 de Março de 2011 iniciaram os ataques à Líbia que mais uma vez se traduziram numa uma agressão externa ilegítima, que provocou morte dezenas de milhares de líbios e destruição de infra-estruturas necessárias à vida do povo líbio, o desmembramento de um país e o assassinato do seu chefe de estados, aliás como aconteceu no Iraque.
 
Síria/Irão
É no quadro actual, que passado um ano sobre a guerra na Líbia se encontra em preparação uma nova guerra no Médio Oriente. Os EUA e a UE ameaçam hoje a Síria e o Irão. Com recurso aos meios de comunicação, manipulam a opinião pública mundial, chantageando desta forma aqueles países sobre a Síria e o Irão.Mas, como o CPPC, há quem denuncie as mentiras e os pretextos que são utilizados, como a intervenção de natureza humanitária e a existência de armas de destruição massiva, para justificar uma futura ingerência ilegítima nestes países. Que, como sabemos, só trarão destruição e morte certa junto destes dos povos desta região.Há também quem, como o CPPC, denuncie justamente que as verdadeiras pretensões por detrás destas guerras são a sede imperialista do controlo recursos naturais e energéticos, de domínio de regiões estratégicas, de limite o desenvolvimento de potências emergentes, como a China ou a Rússia e da salvaguarda do poder militar e o domínio planetários dos Estados Unidos da América.A verdade é que aqueles que condenam o Irão pela sua alegada produção de armas nucleares, defendendo uma agressão militar, esquecem-se que Israel é o único país do Médio Oriente que possui bombas atómicas e que foram os EUA, o país que já utilizou este tipo de armamento. Temos pois que considerar a participação que tem sido levada a cabo pelo Governo Português, no que respeita mais recentemente à Líbia e agora à Síria, em que embarca no jogo de mentiras que tem vindo a ser oferecido ao, e pelo qual se legitimam intervenções e ingerências para defesa dos direitos humanos, para defesa de uma solução pacífica e que apenas originam morte e destruição. Temos como exemplos o discurso do Ministro dos Negócios Estrangeiros em 31.01.2012 no Conselho de Segurança da ONU, a participação na Turquia, no fim do mês passado, no encontro dos hipocritamente auto-chamados “Amigos da Síria”,…
 
Outras questões…
O CPPC relembra que os países imperialistas são responsáveis por centenas de milhares de mortos e pela destruição países inteiros, como sucedeu nos casos que já referi, e ainda noutros casos como no Líbano, na Somália.Há ainda o apoio da política conduzida pelo Estado de Israel de ocupação e extermínio do povo palestiniano.E a complacência com o Reino de Marrocos que ocupa ilegalmente o Sahara Ocidental, oprimindo o seu povo e roubando as suas riquezas. É neste contexto, que o CPPC tem entendido que a valorização e exigência do respeito pelos nossos princípios constitucionais é determinante para um efectivo respeito pelos povos do mundo, que devem coexistir em harmonia, cooperação e paz, condições necessárias ao seu desenvolvimento económico e social. Neste sentido, o CPPC tem dedicado a sua acção em prol da luta contra a guerra e o militarismo: contra os blocos político-militares, como a NATO, contra a militarização da União Europeia, contra as bases militares estrangeiras, pelo fim da corrida aos armamentos, por um mundo livre de armas nucleares, pela rejeição da participação de tropas ou forças militarizadas portuguesas em agressões a outros povos e por uma política externa independente de Portugal.Assim com em prol da solidariedade e cooperação com todos os povos do mundo, em particular com os povos vítimas de guerras imperialistas (solidarizando-se com a resistência contra a agressão e a ocupação, contra a ingerência estrangeira, a chantagem, o bloqueio ou ameaça de intervenção militar, apoiando a luta dos povos pelo seu inalienável direito à auto-determinação, à soberania, à liberdade, à independência dos seus respectivos países).
Conclusões
Há que denunciar as suas violações e defender e exigir o cumprimento da Constituição de Abril e defender a solução pacífica dos conflitos; a não ingerência nos assuntos internos dos países; o desarmamento nuclear geral, simultâneo e controlado; o direito à autodeterminação dos povos e a independência dos estados soberanos e dos territórios ilegalmente ocupados; a dissolução dos blocos político-militares, nomeadamente a NATO.O CPPC assinala a actualidade do artigo 7.º e exige o respeito e o cumprimento dos valores da Constituição de Abril, em particular pelo Governo português, para que o nosso país contribua para a construção de um mundo de Paz, de Cooperação e de Solidariedade entre os Povos.A XXII Assembleia da Paz, realizada em Lisboa, a 19 de Novembro de 2011, aprovou uma moção em defesa da Constituição que:«- considera premente a necessidade de defender a Constituição da República Portuguesa, nomeadamente dos princípios consagrados no seu artigo 7.º atrás enunciados, opondo-se quer à sua desvirtuação na prática quer à sua revisão;- exige do Governo português a adopção de uma política externa em consonância com os princípios inscritos na Constituição da República;- apela à mobilização e à conjugação de vontades de todas as organizações e pessoas de boa fé e amantes da paz, da amizade e da cooperação entre os povos, para a defesa permanente e o desenvolvimento de uma ampla acção em defesa destes princípios consagrados no artigo 7.º da Lei Fundamental do País e da afirmação da necessidade urgente de uma política externa portuguesa em prol da paz no mundo.»
 
A paz é uma aspiração e um direito! Desde 1999 que as Forças Armadas portuguesas são utilizadas para fazer as guerras dos EUA/NATO/UE de agressão a outros povos: Jugoslávia, Afeganistão, Iraque, Líbia. O 25 de Abril de 1974 não foi feito para isto!
 
2 Página 7, Prefácio da “A Conferência de Helsínquia”, Textos Vértice, Paz e Desenvolvimento, Atlântida, Coimbra, 1977