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A convite do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e luta pela Paz (CEBRAPAZ). o Conselho Português para a Paz e Cooperação (CPPC) esteve presente no Seminário Internacional “Os direitos humanos na perspectiva da construção de uma cultura de paz”, ocorrido a 2 e 3 de Dezembro em S. Paulo, Brasil. Foram dois dias de intenso debate sobre os problemas que afectam hoje a paz mundial, mas também sobre os focos de resistência e luta dos povos pela paz.
 
O CPPC esteve representado por Joana Pereira, membro da Presidência e da Mesa da Assembleia do CPPC. Reproduzimos aqui a sua intervenção.
 
«A actualidade da defesa da paz como um direito humano»
 
É com uma profunda satisfação e com muito interesse que o Conselho Português para a Paz e Cooperação agradece ao Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz – CEBRAPAZ – a oportunidade de poder participar neste importante Seminário Internacional subordinado ao tema: «Os direitos humanos na perspectiva da construção de uma cultura de paz».
 
Da mesma forma, saudamos fraternalmente todas as organizações e os amigos e amigas aqui presentes.
 
Foi-nos proposto contribuir para este debate sobre «A actualidade da defesa da paz como um direito humano» o que, com a vossa compreensão, procuraremos fazer partindo da experiência do movimento da paz em Portugal.
 
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É tese confirmada pela experiência histórica do movimento da paz em Portugal e do povo português que a luta pela paz é parte integrante e indissociável da luta pela emancipação social e nacional.
 
Isto é, o direito à paz é condição e parte integrante da realização dos direitos sociais e nacionais dos povos.
 
A conquista da paz pelo povo português foi, é e será condição necessária e indissociável da conquista da sua soberania, do seu progresso social e desenvolvimento económico.
 
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Podemos afirmar que o movimento pela paz e a luta pela paz em Portugal, desde a sua criação nos anos quarenta do século XX, foram parte integrante da luta contra o regime fascista português.
 
Não tendo como propósito abordar a história da luta pela paz em Portugal, não podemos deixar de sublinhar que, apesar das muito difíceis condições em que desenvolveu a sua acção, o movimento da paz contribuiu de um modo importante para alargar o campo da unidade democrática, designadamente após a vitória sobre o nazi-fascismo, com as lutas contra as armas atómicas – criminosamente lançadas pelos EUA contra Hiroshima e Nagasaki – e contra a criação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN/NATO), em 1949, da qual o regime fascista português foi membro fundador.
 
Num momento em que muitos dos povos do mundo empreendiam conquistas sociais históricas e tomavam na sua mão o direito de decidir dos seus destinos, o movimento da paz em Portugal denunciou e condenou o militarismo, a guerra e a NATO e solidarizou-se com os povos vitimas de agressão imperialista – como na Coreia e no Vietname – e com a luta dos movimentos de libertação nacional contra o colonialismo.
 
Mas é no inicio dos anos sessenta, com as guerras coloniais do fascismo português contra os povos irmãos africanos de Angola, da Guiné-Bissau e de Moçambique, que a luta pela paz assume um papel muito importante na luta do povo português pela conquista da liberdade, da democracia e da melhoria das suas condições de vida.
 
Com as guerras coloniais, um maior número de progressistas e democratas ganha consciência de que para assegurar o fim do fascismo e a instauração de um regime democrático em Portugal seria necessário derrotar o poder económico que o sustentava, acabar com o colonialismo e libertar o país da influência do imperialismo.
 
A luta contra a guerra colonial, pela paz, foi uma das frentes fundamentais da luta contra o fascismo, a par da luta dos trabalhadores, da luta política do movimento democrático (na qual os trabalhadores e a unidade antifascista desempenharam um papel central) e da luta dos estudantes – frentes que foram complementares e indissociáveis.
 
Luta pela paz, contra a guerra, na qual os intelectuais e o mundo da cultura deram um contributo notável, no campo das artes plásticas, das letras e da música.
 
Como a história comprovou, o desencadear das guerras coloniais, com as suas múltiplas consequências políticas, sociais, económicas e militares, introduziria um novo e poderoso factor de indignação, revolta e consciencialização do povo português contra a ditadura fascista - particularmente entre a juventude.
 
A luta contra a guerra colonial foi um dos factores essenciais para agravar a crise do regime fascista, para criar as condições necessárias para o derrubamento da ditadura.
 
Foi devido à acção das forças mais conscientes do campo da unidade antifascista e à evolução da própria realidade que, em poucos anos, se generalizaram, designadamente entre os trabalhadores e a juventude, fortes sentimentos anticolonialista e de solidariedade para com os povos africanos em luta, que se converteram numa resistência em contínuo ascenso contra a guerra e se traduziram em objectivos políticos, que acabaram por se inserir em todo o movimento antifascista.
 
A luta contra a guerra colonial teve um rápido e amplo desenvolvimento, adquirindo formas e expressões muito diversas – de acção política, de resistência nas forças armadas e até de acções em Portugal contra o aparelho militar colonialista –, tornando-se numa das frentes essenciais e num elemento central da radicalização da luta do povo português contra o fascismo.
 
O desenvolvimento das lutas nas forças armadas e o aumento da consciência política entre os militares colocaram em causa o papel das Forças Armadas como principal suporte armado da ditadura fascista.
 
Foi do «Movimento dos capitães» – o Movimento das Forças Armadas, o MFA – que partiu a iniciativa da intervenção armada que pôs fim ao fascismo em 25 de Abril de 1974.
 
A Revolução iniciada em 25 de Abril de 1974 teve como um dos seus principais objectivos e grande realização o fim imediato da guerra colonial e a conquista da paz, dando uma significativa contribuição para a conquista da independência dos povos irmãos africanos da Guiné-Bissau, Cabo Verde, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Angola, protagonizadas pelos movimentos que conduziram a luta de libertação nacional – o MPLA, o PAIGC, a FRELIMO e o MLSTP.
 
Isto é, a conquista da paz foi parte integrante e elemento central da conquista da liberdade, da democracia, da soberania e do inicio do caminho de emancipação social por parte do povo português.
 
É por isso que a Constituição Portuguesa, nascida da Revolução de Abril e aprovada em 1976:
 
- A Constituição que estabeleceu como princípios: a independência nacional, o direito dos povos à autodeterminação e á independência, a igualdade entre os Estados, a solução pacífica dos conflitos internacionais, a não ingerência nos assuntos internos das outros Estados e a cooperação com todos os outros povos para a emancipação e o progresso da Humanidade;
 
- A Constituição que defende a abolição de todas as formas de imperialismo, colonialismo e agressão, o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos;
 
- A Constituição que reconhece o direito dos povos à insurreição contra todas as formas de opressão, nomeadamente contra o colonialismo e o imperialismo;
 
É a mesma Constituição que, entre muitos outros direitos, consagrou que:
 
- Todos têm direito à saúde;
 
- Todos têm direito a uma habitação;
 
- Todos têm direito à educação e à cultura;
 
- Todos têm direito ao trabalho e a uma retribuição, segundo o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna;
 
- Todos têm direito ao repouso e ao lazer, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas;
 
- Todos têm direito à segurança social;
 
- Todos têm direito à cultura física e ao desporto;
 
- Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado;
 
- Que ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social.
 
Constituição Portuguesa que para além de consagrar os direitos fundamentais do povo português, consagrou igualmente as condições materiais para os concretizar, ou seja, a existência de uma democracia política, económica, social e cultural, alicerçada no pleno exercício da soberania e independência nacional – uma democracia que assegure «as condições que permitam promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo, especialmente das classes trabalhadoras, e abolir a exploração e a opressão do homem pelo homem».
 
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35 anos depois, cumpre dizer que apesar de sete processos ulteriores de revisão constitucional, a Constituição Portuguesa continua a manter a sua matriz fundamental inicial – sendo, por isso, descaradamente desrespeitada por sucessivos governos que têm vindo a realizar uma política contrária aos princípios e objectivos fundamentais nela consagrados.
 
Ao longo dos últimos 35 anos, com a faseada e sistemática colocação em causa e a destruição de muitos dos avanços e conquistas sociais, económicas, culturais e políticas alcançadas pelo povo português – incluindo da sua soberania nacional –, foi igualmente levada a cabo uma política externa caracterizada pela subordinação face aos interesses e às estratégias dos EUA, da NATO e das grandes potências da União Europeia, em prejuízo dos interesses do povo português e de outros povos do mundo.
 
Actualmente as forças armadas ou militarizadas portuguesas são de novo utilizadas para levar a guerra – a morte, o sofrimento e a destruição – a outros povos, desrespeitando o consagrado na Constituição Portuguesa e a aspiração do povo português de uma relação de paz e amizade com todos os povos do mundo.
 
Portugal participou e participa, por vezes em posição relevante, com bases em seu território ou com forças armadas ou militarizadas, em todas as agressões da NATO e da União Europeia, designadamente nos Balcãs (Jugoslávia), no Médio Oriente (Iraque, Líbano), na Ásia Central (Afeganistão), em África (Somália, Líbia).
 
Portugal tem sido conivente com a instrumentalização das Nações Unidas em função dos propósitos dos EUA e da NATO, pactuando com graves violações dos princípios da Carta da ONU – de que são exemplo mais recente as resoluções do Conselho de Segurança, Conselho onde Portugal tem presentemente assento, de branqueamento da agressão da NATO à Líbia e de negação do reconhecimento pleno do estado Palestino.
 
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A luta pela paz é, nos nossos dias, uma causa com toda a actualidade e premência, nomeadamente face aos evidentes perigos que a Humanidade enfrenta, caso a investida imperialista não seja travada.
 
Como afirmámos na recentemente realizada Assembleia da Paz do Conselho Português para a Paz e Cooperação, o sistema capitalista, afundado numa grave crise, encontra no incremento da exploração, na opressão, e na guerra, a única resposta para o beco em que se encontra.
 
O acordo que estabelece os princípios que deveriam nortear as relações entre os Estados – consubstanciado na Carta das Nações Unidas –, encontra-se ameaçado pela recorrente subversão do direito internacional e instrumentalização da ONU, através das quais os EUA e os seus aliados procuram dissimular a sua política de exploração e guerra.
 
O imperialismo recrudesce a sua agressividade, fazendo-a acompanhar de uma sistemática e orquestrada campanha ideológica e de desinformação que procura «legitimar» a agressão e ocultar as terríveis consequências da barbárie da guerra.
 
Ao mesmo tempo, incrementa a corrida aos armamentos, a indústria armamentista e as despesas militares. O investimento na investigação destinada à produção de novos e mais sinistros armamentos – incluindo armas nucleares, os drones e as chamadas armas não letais destinadas sobretudo à repressão interna – consome orçamentos astronómicos.
 
Face à ofensiva do imperialismo, aumenta a fome, a pobreza e a doença – quantas vezes assumindo-se elas também como eficazes instrumentos de guerra –, e são colocados em causa direitos fundamentais conquistados durante décadas de luta de emancipação social e nacional. É imposto ao Planeta um sistema de produção destruidor, incompatível com a imprescindível relação sustentável com a natureza.
 
É cada vez mais visível que os grandes responsáveis pela agudização da situação económica e social mundial são os mesmos que, afinal, promovem a corrida aos armamentos, a militarização das relações internacionais, o desrespeito da soberania dos povos e a guerra.
 
No quadro da crise – em que se evidenciam rivalidades e contradições entre grandes potências, o relativo declínio dos EUA e a emergência de novas potências económicas no mundo –, as tentativas de manter ou impor uma «nova ordem mundial» hegemonizada pelos EUA e outras grandes potências imperialistas originam uma crescente instabilidade e insegurança, com grandes perigos para a paz, a liberdade, a democracia, a soberania, a independência e o progresso social, em todo o mundo.
 
O sistema capitalista em crise, destrutivo, explorador e belicista, ameaça lançar o planeta numa tragédia de grandes proporções. A deriva belicista do imperialismo prossegue, intensifica-se e torna-se mais agressiva.
 
A NATO representa a mais séria e significativa ameaça à segurança e à paz ao nível mundial. Com o seu renovado conceito estratégico, a NATO arvora-se no direito de ingerir-se e intervir em qualquer ponto do Mundo, sob a desculpa de um qualquer pretexto.
 
A União Europeia reafirma-se como o pilar europeu da NATO, apoiando e integrando, de um modo cada vez mais ostensivo, a deriva militarista e intervencionista dos EUA e da NATO, participando, coadjuvando e, mesmo, substituindo a NATO nas suas agressões e ocupações de países soberanos.
 
Prosseguem as consecutivas guerras de agressão e ocupação, nos Balcãs, no Médio Oriente, na Ásia Central e, agora, em África – com a genocida agressão da NATO à Líbia –, ao mesmo tempo que se renovam sérias ameaças de agressões à Síria e ao Irão, entre outros exemplos, que vão da Península da Coreia, passando por África – do Norte à subsaariana - até à América Latina.
 
Guerras e ameaças de novas agressões que mais não visam que abater a emancipação e resistência dos povos, a destruição de processos de desenvolvimento económico nacionais, a pilhagem de recursos naturais, económicos e financeiros, e o domínio de mercados ou de regiões de importância geoestratégica vital para os seus interesses, num processo de tentativa de recolonização planetária.
 
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No entanto, a evolução da situação mundial comprova que é neste contexto tão difícil que se verifica uma admirável resistência e luta dos povos contra a opressão e a exploração, contra a injustiça, pela liberdade e a paz, numa prova inequívoca que o futuro do Mundo será aquilo que a humanidade determinar.
 
Perante os sérios perigos e as grandes e exigentes questões que se colocam à humanidade, levantam-se, com igual elevação e significado, vastas possibilidades de ampliar a resistência e fortalecer as forças que poderão protagonizar a edificação de um futuro melhor, o que demonstra que não estamos perante um mundo obrigatória e fatalmente injusto, prisioneiro do militarismo e à mercê dos seus crimes.
 
O movimento da paz é parte integrante desta ampla conjugação de vontades e de acção por um mundo com justiça e progresso, tanto mais, quanto mais audaciosa, diversificada, forte e determinada for a sua intervenção.
 
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Como afirmámos no inicio da nossa intervenção, consideramos que a luta pela paz é parte integrante e condição necessária para a conquista de um mundo de justiça e de progresso social.
 
A luta pela paz é contributo decisivo e marco intransponível para ultrapassar a crise económica e construir um mundo de justiça e progresso social, baseado em relações económicas internacionais equitativas e no respeito pelos direitos e anseios de todos os povos do mundo.
 
Consideramos que o anseio e direito dos povos à paz materializa-se pela concretização dos direitos ao bem-estar, à alimentação, à água, à saúde, à habitação, à educação, ao trabalho, à cultura, ao lazer e à recreação, a um ambiente saudável e a uma relação equilibrada com a natureza, à liberdade, à soberania, à justiça, ao desenvolvimento económico, a condições de vida digna e estável.
 
Isto é, o direito à paz é condição e parte integrante da realização dos direitos sociais e nacionais dos povos.
 
Deste modo, o Conselho Português para a Paz e Cooperação empenha-se no reforço do movimento da paz em Portugal, promovendo o desenvolvimento de uma ampla intervenção em prol:
 
- Da defesa da Constituição Portuguesa e por uma política externa portuguesa de paz e cooperação;
 
- Da luta contra a guerra e o militarismo, contra os blocos político-militares, como a NATO, contra a militarização da União Europeia, contra as bases militares estrangeiras, pelo fim da corrida aos armamentos, por um mundo livre de armas nucleares, pela rejeição da participação de tropas ou forças militarizadas portuguesas em agressões a outros povos e por uma política externa independente;
 
- Da solidariedade com todos os povos do mundo, em particular com os povos vítimas de guerras imperialistas, solidarizando-se com a resistência contra a agressão e a ocupação, contra a ingerência estrangeira, a chantagem, o bloqueio ou ameaça de intervenção militar, apoiando a luta dos povos pelo seu inalienável direito à auto-determinação, à soberania, à liberdade, à independência dos respectivos países.
 
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É pois com inabalável determinação na justeza dos seus ideais e confiança na construção de um futuro melhor que o Conselho Português para a Paz e Cooperação reafirma o seu compromisso de sempre agir lado a lado com todos os homens e mulheres, no plano nacional e internacional, que resistem e intervêm com a aspiração e a convicção de que é possível construir um mundo justo, democrático, solidário e de paz.
 
Porque a paz é um direito fundamental dos povos que urge defender com toda a actualidade.