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por Sérgio Ribeiro
Membro da Presidência do CPPC

Aproveitou-se a efeméride dos 60 anos do Tratado de Roma para ver se se conseguia dar algum alento à chamada União Europeia, tão debilitada que bem parece carecer de cuidados intensivos.
Pouco terá ajudado a diversão do aproveitamento das “bocas foleiras” e, até, insultuosas do mui zeloso presidente “in nomine” do Eurogrupo, aliás em funções inevitavelmente a curto termo e que mais não disse que o que coerentemente executa como executivo ou mais visível do grupo. Como foram paliativos os pomposos cenários “para o futuro da Europa” enunciados pelo sempre um pouco circense presidente da Comissão e apresentados como se fossem para debate (entre quem?, com quem?, quando?, como?).

Os “cenários” e o falso pressuposto
Esses cenários foram precedidos de um pressuposto, que se pretende assumido e consensualizado. A Europa seria um continente de paz porque houve Roma e a CEE e, daí, CE, Maastrich e U.E., porque há UEM e Lisboa. Porque “com a assinatura dos Tratados de Roma, em 25.03.1957, os seis membros fundadores da UE relegaram para os livros da história os horrores passados da guerra na Europa” como escrevem Juncker e Moedas em artigo no Expresso de 25 de Março digno de agência de publicidade e relações públicas. Como se a Europa não fosse o continente onde se perpetrou o inominável retalhar, pela guerra da Bósnia (a 3ª guerra dos Balkãs), de um Estado chamado Iugoslávia, como se, bem recentemente, não tivesse havido “horrores da guerra” na Ucrânia (que nome dar ao massacre da Casa dos Sindicatos de Odessa?), como se se extra-territorialisasse o que convém, como se se pudesse apagar da História factos que só podem ter a designação de “guerra na Europa” para vangloriar um falso pressuposto; como se fosse possível ignorar cumplicidades inerentes ao próprio processo de integração na Europa (e seu alargamento ou alastramento) no quadro da sua “política externa e de segurança” em acções e cumplicidades na periferia do seu espaço, enquanto parceiro privilegiado (e armado) da NATO.

Os 5 cenários (e o que neles falta) para o “futuro da Europa”
No artigo publicado no Expresso pelos dois comissários da União Europeia (um deles, o presidente, e outro o português) – Europa a 27-um debate franco –, apresentam-se os 5 cenários que, por ocasião das comemorações frustres dos 60 anos do Tratado de Roma, foram enunciados para se debater o “futuro da Europa”. Depois de, mais uma vez e sempre, se denunciar a falácia nada inocente de se confundir a União Europeia com a Europa, acrescente-se que o texto laudatório permite um resumo do que seriam esses 5 cenários:

1. O mesmo do mesmo nos mesmos domínios
2. Menos do mesmo em menos domínios
3. O mesmo em fatias ou a diferentes velocidades
4. Mais do mesmo em menos domínios
5. Mais do mesmo em mais domínios

Mais do que o que está enunciado, e aqui resumido, a juntar a tanto anedótico e caricaturado que a proposta tem merecido, tem-se comentado o que ela não contém, o que seriam os cenários ausentes, como o 6º cenário (e o mais previsível, ainda que camuflado) ser o do UEexit, a exemplo e na esteira do BRexit, falta muito, para não dizer que falta tudo para que haja mesmo debate sobre o futuro da Europa, desta sim, com ou sem União Europeia ou seus travestimentos (como foi o Tratado de Lisboa imposto após a recusa democrática da Constituição Europeia).

A nosso ver, faltará, sobretudo o verdadeiro pressuposto de ser o processo de integração europeia um caminho de classe na real correlação de forças e a expressão do futuro da Europa apenas ter sentido num contexto prevalecente de paz e de solidariedade. E o que é apresentado, mais que ignorar esse cenário, parte do pressuposto que falseia o caminho percorrido. Aliás, acontecimentos recentes comprovam-no. Quando parecia que se iria encetar uma fricção resultante das eleições presidenciais nos Estados Unidos tudo parece apaziguar-se com a “negociação” de partilha de custos de uma “segurança colectiva” que os Estados Unidos se queixam se suportar excessivamente. Ou, traduzindo noutro léxico, com o aumento da participação financeira da União Europeia nas despesas militares decorrentes das acções em curso e/ou a começar ou reforçar.

Para entrar num verdadeiro debate sobre o futuro da verdadeira Europa, há que, com toda a seriedade, acrescentar um cenário, esse sim a merecer debate: o de uma Europa de paz e solidariedade, de uma Europa na mão dos povos (como foi lema – e futuro! – há cerca de meio século, quando se criou a comissão nacional para a segurança e a cooperação europeia).

Não esquecer ou menos-prezar os antecedentes, o processo
Assim, o que é proposto é um não-debate ou um debate de ficção e diversão. Porque há a permanente omissão ou falsificação dos antecedentes e do processo. Ao lembrar-se o Tratado de Roma, recorda-se a data mas esquece-se o que o precedeu e o que ele também teve que afirmar e escamoteia-se o que se pretende impor, quando e como o permita a correlação de forças sociais.
Esquece-se que, antes de Roma, houve Bretton-Woods, onde os aliados deixaram de o ser e o império do dólar se estruturou contra tudo e todos, embora constrangido (até pela necessidade objectiva de não rejeitar totalmente Keynes e a sua lucidez para além do curto prazo), houve o Plano Marshall para travar o avanço do socialismo onde e como pudesse tomar forma, houve a NATO já como evidente prova da necessidade de organização da agressividade e armamentismo do sistema social com a anacrónica justificação da resposta a um Pacto de Varsóvia que só se viria a criar um lustro mais tarde. Esquece-se que só depois veio a CECA e, na esteira desta, a CEE.

Se, biblicamente, no princípio era o verbo, no processo que veio a criar a União Europeia no princípio foi a vertente militarizada de contenção de um “inimigo”, a que se seguiria, derrotado este – ou diminuída substancialmente a sua perigosidade –, a “invenção de inimigos” que alimentassem e justificassem a crescente importância do complexo industrial-armamentista.

Ao recordar-se Roma não se lembra a necessária afirmação da vertente social e o princípio da igualização no progresso, até porque o agravamento das desigualdades e assimetrias o desmentiria, e procuram-se formas de tornear as dificuldades levantadas pela intervenção popular a fórmulas supra-nacionais federalizantes, e o que se impõe é o medo, os receios do “inimigo”, a necessidade de reforçar a segurança ainda que à custa de conquistas democráticas.

A conjuntura mediatizada, num conjunto em que se inclui uma desconjuntada U.E., privilegia o despesismo armamentista e a boa repartição dos seus custos, com o parceiro-mor a apresentar facturas e a exigir pagamentos.

Tudo isto é necessário debater. E é urgente denunciar, porque vem contra a Europa de Paz e Solidariedade pela qual almejam os povos e muitos contemporâneos lutam, honrando aqueles que o fizeram ao longo dos tempos idos.

S.R.