Leia a carta enviada a partir da prisão por Khaleda Jarrar, deputada do Parlamento palestino, detida ilegalmente pelas forças de ocupação israelitas desde a madrugada de 2 de Abril, (posição do CPPC, aquando da detenção de Khaleda pode ser vista em www.cppc.pt/…/928-pela-libertacao-imediata-de-khaleda-jarra…) e que preside à Comissão dos Presos Palestinos do Conselho Legislativo Palestino e é dirigente da Addameer, organização dedicada à defesa dos direitos e à libertação dos palestinos presos em prisões israelitas.
"Nunca deixei de falar na causa dos prisioneiros políticos: o número, as condições de detenção, as estatísticas e percentagens, eu falo de um milhão de palestinos que passaram pelas prisões israelitas desde 1967 – este número significa que um em cada quatro palestinos esteve detido pelo menos uma vez na sua vida. Falo das centenas de mulheres que foram detidas. Falo também dos milhares de crianças que foram presas numa violação constante de todas as leis e convenções internacionais.
Neste preciso instante, 240 crianças estão na prisão entre os 11000 prisioneiros palestinianos. Entre estes existem doentes graves e sem acesso a tratamento, o que significa uma condenação à morte. Alguns deles são pessoas com uma idade bastante avançada. Há também cerca de 600 prisioneiros, sem ter o número exacto à mão, que passam por períodos de detenção administrativa sem nenhuma justificação jurídica ou acusação, excepto pela utilização de um decreto militar britânico que data da colonização britânica na Palestina, de 70 anos, na mesma altura do fim da época Nazi, o que nos remete, infelizmente, àquilo que eu descrevo da nossa época.
Há 9 anos ocupo o lugar de presidente da comissão dos prisioneiros palestinos nas prisões israelitas, como deputada eleita pelo povo palestino em luta por sua libertação. Fui durante 13 anos a directora-geral da Associação Addameer pelos direitos dos palestinos e direitos humanos, uma das associações mais importantes que tem por missão a defesa dos prisioneiros. Isto significa que consagrei os últimos vinte anos da minha vida a trabalhar na defesa dos prisioneiros da Palestina nas prisões do colonizador e no seu combate por uma liberdade que lhes foi roubada por uma das últimas ocupações coloniais que resta no nosso planeta.
Durante todos estes anos, e em particular desde a minha eleição, onde me tornei representante dos palestinos, defendi com toda a minha força os prisioneiros e o seu direito a lutar contra as condições das detenções e os métodos utilizados nos interrogatórios, entre confidências forjadas e falsas acusações. Defendi os seus direitos a ter acesso a serviços médicos, o direito à vida e à libertação. Eles são “culpados” de defender a liberdade do seu povo oprimido, uma acção reconhecida por todas as leis internacionais e pelas Nações Unidas, cujas leis e convenções deveriam aplicar-se a todos nós.
Sempre me dirigi aos povos de todo o mundo, pedi aos deputados, aos representantes dos governos e presidentes, para apoiarem os detidos palestinos, ao lado daqueles que procuram justiça, liberdade, valores e direitos humanos. Sempre exigi a condenação da ocupação, a sua sanção e o seu fim. Acredito que isto é o nosso dever, é o seu dever tal como é o nosso, nós, os Palestinos.
Hoje, afirmo não ter mudado de ideia: as minhas posições, as minhas convicções e as minhas vontades permanecem intactas, no entanto, o meu olhar é diferente: observo a realidade desde outra perspectiva, a partir da qual vejo as coisas mais claramente. Hoje, faço eu mesma parte das prisioneiras de que falei anteriormente, uma entre os 6000 prisioneiros, uma entre aqueles que sofrem a violência dos carrascos, que sofrem o peso da injustiça a cada dia, a cada hora, a cada instante.
Hoje, desde que fui detida na minha casa, em frente da minha família e do meu companheiro, fui privada do meu dever de servir aqueles que me elegeram. Hoje, sofri eu própria as técnicas dos soldados dos ocupantes, armados até aos cabelos, chegando à minha casa, com toda a atrocidade, no meio da noite, algemando-me, tapando-me os olhos e conduzindo-me para um lugar que desconheço.
Hoje fui informada que a minha detenção administrativa foi ordenada, uma detenção fundada sobre um decreto mais velho do que eu, um decreto que não se coaduna nem com a humanidade nem com a nossa época. Hoje o governo do ocupante tremeu depois de ter sofrido a pressão de pessoas livres de todo o mundo (condenando a minha detenção sem nenhuma acusação). Mas isso não impede o ocupante com as suas leis racistas de me enviar diante um tribunal, que todos sabemos ilegítimo, diante de juízes cuja incompetência todos conhecemos, pois um carrasco nunca poderá ser o juiz da sua vítima.
Mesmo que consigamos encontrar erros nestas leis caducas, falta uma última palavra, a do representante do ocupante, o promotor, uma vez que nenhuma autoridade está à altura da colonização e das suas regras; o ocupante não respeita sequer as suas próprias leis injustas e o seu sistema jurídico já implicado por si mesmo.
Isto é para nós o preço a pagar pela nossa libertação, pela nossa dignidade e a do mundo inteiro. Nós nos fortalecemos com a sua solidariedade, nós ficamos de pé e continuamos a nossa luta enquanto ouvimos a vossa voz solidária com a nossa resistência.
Envio esta mensagem da prisão, quando ainda não sei qual será o meu destino, quando ainda não sei quanto tempo vou passar nesta prisão suja que não é feita para seres humanos. Ainda não sei se encontrarei um médico digno desse título se ficar doente, não sei se a comida que me dão é poluída ou se a água não está envenenada, não sei quando é que o meu carrasco vai invadir a minha cela para me impedir de dormir e violar a minha intimidade. Não sei quando é que vou poder abraçar os meus filhos, Yafa e Suha, não sei quando é que vou ver o meu marido ou abraçar os meus pais. Sei que para tudo isto preciso de vocês, de cada voz livre neste mundo, para que ele repita com o meu povo e eu própria: Abaixo a ocupação, viva o povo da Palestina Livre."