A sessão inaugural do Ciclo de Cinema Chileno iniciou-se ontem, dia 22, com a apresentação do documentário “Nostalgia de la Luz”, da autoria de Patricio Guzmán, onde é abordada a questão dos Detidos Desaparecidos no Chile de Pinochet, numa metáfora onde astrónomos e arqueólogos aparecem em contraponto com familiares de Detidos Desaparecidos.
Além dos demais espectadores estiveram presentes, a organizadora do ciclo, Silvia Donoso Hiriart (Faculdade de Letras - Estudos Comparatistas) e o Cônsul do Chile em Lisboa, Sr.Erwan Varas Dulac.
A sessão iniciou-se com uma pequena introdução da organizadora,algumas palavras do Sr. Cônsul e com a intervenção de Hernani Magalhães, membro da Direcção Nacional do Conselho Português para a Paz e Cooperação que segue abaixo.
“Boa tarde a todos os presentes!
3 notas prévias:
A primeira é, naturalmente, agradecer o convite que nos foi feito para aqui estarmos presentes e dizer algumas palavras sobre os Detidos Desaparecidos no Chile de Pinochet.
A segunda, breve, é para referir que o Conselho Português para aPaz e a Cooperação é uma organização com largas décadas de existência, com objectivos de lutar pela Paz e a Cooperação fraterna entre os todos os Povos, pelo respeito ao Direito à Autodeterminação e pela luta contra o Colonialismo, o Imperialismo e todas as formas de ingerência nos assuntos internos de cada País e de domínio e exploração exercido contra qualquer Povo.
Defendemos pois claramente os princípios consagrados na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente o seu Artigo7.º, relativo às Relações internacionais, onde se afirma que:
1. Portugal rege-se nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional, do respeito dos direitos do homem, dos direitos dos povos, da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos internacionais, da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados e da cooperação com todos os outros povos para a emancipação e o progresso da humanidade.
2. Portugal preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos, bem como o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos.
3. Portugal reconhece o direito dos povos à autodeterminação e independência e ao desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas as formas de opressão.
A terceira nota é para frisar que o Golpe Militar no Chile em 11de Setembro de 1973 não foi decorrente de uma qualquer situação excepcional, que por tal razão só muito dificilmente se possa voltar a repetir!
Pode e mesmo já recentemente voltou a ocorrer, mesmo que sem a violência assassina que percorreu o Chile e outros Países da América Latina. É o caso recente das Honduras, com a deposição forçada do presidente eleito Manuel Zelaya, e do Paraguai, com o golpe palaciano contra o presidente eleito Fernando Lugo.
Sempre que num qualquer País o Povo luta contra a exploração e as injustiças sociais e tenta construir um País mais justo, mais fraterno, mais solidário, as burguesias locais sabotam, usam de todos os meios para impedir a perda dos privilégios que usufruem,vão até aos golpes militares e à violência assassina e à repressão massiva. E só a vigilância e a unidade do movimento popular é que podem derrotar tais golpes.
O Chile. Não irei falar sobre o Chile da Unidade Popular. Irei falar sobre o Chile de Pinochet e demais generais, de Agustin Edwards o patrão do jornal “El Mercurio” e um dos principais dirigentes da oposição selvagem a Allende e dos fascistas do Patria e Libertad, todos assessorados pelos agentes da CIA sob ordens directas de Richard Nixon e Henry Kissinger.
Para quem viveu, mesmo que à distância de largos milhares de kms, o golpe militar, até pela esperança que o Chile de Allende espalhava pelos Povos dos vários continentes, foi como que um acordar para um pesadelo. Soubemos rapidamente da violência assassina que se exerceu sobre quem apoiava o governo de Allende, sobre cidadãos com filiação partidária mas também sobre cidadãos sem qualquer filiação, até sobre jovens menores de idade. Os relatos de violência, com o assalto ao Palácio La Moneda e o assassinato de Victor Jara correrem o Mundo. Mas rapidamente começamos a ouvir falar em detidos em parte alguma, segura e comprovadamente detidos pelas forças militares, militarizadas,policiais e milícias civis afectas ao novo poder, cujos nomes nunca eram reconhecidos por tais autoridades como estando detidos numa qualquer prisão. Às solicitações em tribunal para saber do paradeiro de tais detidos, o Poder jamais reconheceu que estivessem presos, dando muitas vezes testemunho falso de ocorrências e em caso algum tais iniciativas feitas pelos seus familiares e conhecidos conseguiram salvar uma vida que fosse.
As caravanas da morte que percorriam zonas do país para executarem pessoas, as torturas infligidas até à morte de presos,as execuções sistemáticas de operários e camponeses sem passarem por qualquer prisão, chegando ao extermínio de aldeias, tudo seguido de ocultação de corpos, com desmembramento de muitos, tudo num afã para ocultar ao Mundo a repressão assassina que se exercia no Chile e, simultaneamente, vergar a resistência que se mantinha,foram a regra. Não se pense que foi só nos meses seguintes ao golpe que tal violência existiu, pois ela continuou, mesmo que através de actores diversos. Se no início foram os militares quem mais exerceu tal violência, depois passou a ser a DINA. Aliás, os números falam por si: cerca de 35.000 pessoas sujeitas a violação dos seus direitos, das quais cerca de 28.000 foram torturadas, destas 2279 foram assassinadas, a que acrescem 1248 detidos desaparecidos,números estabelecidos após a entrega da última versão do relatório da Comissão Valech, em 2011. Segundo o estudo apresentado em 1994 na Universidade de Lovaina, Bélgica, por Elías Padilla Ballesteros, até final do ano de 1973 foram detidas e desapareceram 631 pessoas, número ligeiramente superior ao que resulta da repressão entre Janeiro de 1974 e final de 1989, com 562 pessoas. O referido número final só vem a ser estabelecido mais de uma década depois.
Detidos desaparecidos, executados pelo regime de Pinochet, que continuam na sua maior expressão sem verem os seus restos mortais encontrados. Alguns terão sofrido a prática vulgarmente utilizada pela Força Aérea da Argentina – corpos de executados mas também pessoas ainda vivas atiradas à água a partir de aviões a sobrevoarem a grande altitude o mar alto. Outros foram para ao fundo de minas abandonadas nas muitas explorações mineiras do Norte do Chile, outros em valas comuns em locais desconhecidos. E só o acaso,o esforço de familiares e conhecidos e alguma confissão de agentes da repressão é que têm permitido encontrar alguns dos locais onde foram sepultados.
Aqui, a metáfora que Patrício Guzman nos apresente, impõe-se.Afinal, os astrónomos mais não são do que uma espécie de “arqueólogos” do Cosmos, pois só observam o passado - a estrela mais próxima do nosso sistema, Andrómeda, está a 4 anos luz, o que agora vemos ocorreu há 4 anos, alguns dos sistemas que hoje podem ser observados estão a milhões de anos luz, podem mesmo de facto já nem sequer existir há milhares de anos enquanto que os podemos observar como que desde o futuro. E, se, por algum acaso, os potentes telescópios que estão instalados no Deserto de Atacama como que olhassem para 1973 e anos seguintes, para o Chile de então, talvezsoubessem as Mães, os Filhos, as Esposas, os Maridos, os Amigos, osCamaradas onde repousam os restos mortais dos seus entes queridos.Para que possam fazer o seu luto, para que possam entregar à terra com a dignidade que merecem tais lutadores. Porque da parte do Pode rde Estado Chileno, as respostas sempre foram parcas ou nenhumas mesmo! Até pelo papel central que as suas Forças Armadas reservaram para si próprias!
Termino dizendo, mesmo à distância temporal que nos separa de 11de Setembro de 1973: que Vivam na nossa memória tais lutadores, que os seus nomes sejam lembrados para opróbrio dos privilegiados chilenos, principais obreiros e beneficiários dos seus assassinatos!”